sexta-feira, 9 de julho de 2010

Com Paixão

Eu adoro estrada, adoro ver a paisagem passar ligeira com um vento esvoaçando e fazendo nós no meu cabelo... Meter o carão pra fora da janela quando subo a Serra, deixar a janela bem aberta quando está aquele calor, e sentir aquilo tudo que a estrada me traz. Adoro andar , perambular adoro a estrada reta, lisa e cheia de outras ramificações da estrada como a vida. Por gostar de estrada, adoro um ônibus aconchegante- não gosto de dirigir , já aviso- , com cadeira reclinável e um janelão bem grande pra ver tudo, música de fundo, jazz, MPB, samba antigo, solzinho pra aquecer o vento de inverno, ou o ar condicionado congelante... Eu gosto de botar as pernas p cima, relaxar, ver , e pensar, e pensar, e pensar, fico calma, quase uma catarse, ou seria a plenitude de estar comigo sozinha? Acho que é plenitude, catarse é coisa de teatro Rodriguiano ou Platão.
Eu sentei num ônibus desses, janela bem grande, cortina de veludo azul, janelão panorâmico, um ar condicionado congelante e pra não necessitar de um casaco que eu esqueci, eu sentei na segunda dupla de bancos, de quem entra ao lado esquerdo. Dei bom dia ao motorista, espantou-se? Ué, se diz ao motorista somente o indispensável, né? Nessa cidade movimentada urbanamente pelo tráfego de carros no vai e vem cotidiano, melancólico e abafado... Era um conhecido, velho de guerra das minhas matutinas ou diria madrugadas(?), aulas no Méier, ou ainda, batalhas contra o sono dentro da lata de sardinhas com banco confortável.
Era um dia sem aula, de inverno, onde o Sol não fervia, mas era terno de quentura, eu sentei ao lado de uma moça loura, que eu não sabia, se era: Moça, Senhora, Senhorita, Dona, Você, Vossa Majestade... Não importava, ela era pequena, vestida normalmente, calça jeans, blusa de uma cor que não lembro, tinha uma faixa pequena no cabelo, um óculos no decote na blusa, um celular na mão e uma bolsa de cor clara. Ela como toda mulher quando quer se proteger de algo, se fechava, mas eu digo se fechar fisicamente, o corpo dela falava, ela se encolhia no cantinho da janela, só olhava pra rua e mexia no rosto, ela era delicada nos detalhes, era sublime, bonito de ver ela mexer cara fio de cabelo, embora eu não repare muito do lado de quem sento, ela me instigou porque parecia chorar... ME comovi. Eu ainda crio sentimentos (bons ou ruins) pelas pessoas que nunca vi, nem nunca vou conhecer, mas isso não é estranho. Isso é ser sensível a realidade que encosta do seu lado e não entra no seu caminho, na sua estrada, não colide, só passa rente, você não precisa acionar o seguro contra danos.
Eu lia um livro, onde mais cada página que passava, menos tinha vontade de terminar (era quase a plenitude de pensar na vida quando me junto a estrada), até que passei pelo seguinte título da crônica logo quando percebi sua mão secando o rosto: "Um lugar para chorar". Foi tudo muito rápido, eu percebi seu choro, fiquei pensando mil e uma coisas sobre o porque dela estar chorando e voltei uns dois parágrafos p entender novamente o que tinha se perdido no livro, onde na minha cabeça que pensa três zilhões de soluções ao mesmo tempo eu não teria conseguido encaixar. Pronto, respirei e passei pra próxima crônica. Levei um susto filho-da-puta! Lugar, Chorar... Porque ela chora no meu lugar predileto? Tá, eu já chorei em ônibus, mas não lembro nem o porque, nem o quando. Porque ela chora? Enquanto eu lia ela espichava o olho sobre meu livro , todo mundo espicha o olho em cima do que se lê no ônibus, seja até mensagem de texto, a curiosidade é natural do humano. Já deveria estar na minha quarta crônica após o lugar pra chorar que sinto ela querendo pedir "dá licença" pra passar e sair do latão. Ela levanta, passa por mim e consigo ver o rosto dela, é uma senhora de uns quarenta anos muito bem conservada, não deveria ser senhora, é uma moça, ou pelo menos tinha um ar de moça encantador, tão graciosa, ela senta no primeiro banco do lado oposto, agora de cara pro corredor, me olha pede "obrigada" não sei pelo quê e se ia achando que eu não vi, óculos escuros que me escondem, não sei se isso é bom ou ruim! Retomando... Ela quase sussurrava o "obrigada" e eu não sei o porque...
Não fiz nada pra ela, mas ela me deu um presente quase inexplicável. A minha sensibilidade de volta, quando eu a vi toda encolhida num cantinho frio de um ônibus eu me comovi, não tive pena, eu só contemplei a humana que ela era, eu pensei muitas coisas, mas parecia que meu pensamento era um mantra, parecia que eu estava em completo nirvana... Contemplação do sentimento. Ela era uma moça loira; bem vestida; estatura mediana; linda; e meiga, percebia-se pelo seu jeito de se arrumar na cadeira, dela se mexer delicadamente, quase uma boneca de porcelana - daquelas feita de cabelo humano sabe? - que alguém quebrou... E deve ter quebrado mesmo, porque ela se fez triste e eu quase peguei sua mão e fiquei triste também, sentimento estranho de compaixão alucinada por alguém que eu provavelmente nunca vi na minha vida, nem nunca mais vou ver! Acho que esse sentimento deveria mover o mundo. Embora eu mesmo fechada ali naquele meu mundo, só possessivamente meu, eu enxerguei o próximo, senti suas necessidades sem nem tocar num fio de pêlo arrepiado no braço, eu vi! Eu vi! E abri a caixa de Pandora de compaixão do mundo, porque ela precisa é de compaixão, provavelmente você também... Provavelmente eu também... Provavelmente seu vizinho também... Provavelmente o seu namorado ciumento que acabou de ir embora depois de uma briga também... Provavelmente o cara da esquina deitado no papelão também; pelo menos uma vez ao dia, ou doses diárias de compaixão sem olhar a quem...

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