por Millôr Fernandes ou Pedro Ivo Resende*
Os                palavrões não nasceram por acaso. São recursos                extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário                de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos                mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo fazendo                sua língua.
"Pra caralho", por exemplo. Qual expressão traduz                melhor a idéia de muita quantidade do que "Pra caralho"?                "Pra caralho" tende ao infinito, é quase uma expressão                matemática. A Via-Láctea tem estrelas pra caralho,                o Sol é quente pra caralho, o universo é antigo pra                caralho, eu gosto de cerveja pra caralho, entende?
No gênero do "Pra caralho", mas, no caso, expressando                a mais absoluta negação, está o famoso "Nem                fodendo!". O "Não, não e não''! E                tampouco o nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade ''Não,                absolutamente não!'' O substituem. O "Nem fodendo"                é irretorquível, e liquida o assunto. Te libera, com                a consciência tranqüila, para outras atividades de maior                interesse em sua vida. Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta                pedindo o carro pra ir surfar no litoral? Não perca tempo                nem paciência. Solte logo um definitivo "Marquinhos,                presta atenção, filho querido, NEM FODENDO!".                O impertinente se manca na hora e vai pro Shopping se encontrar                com a turma numa boa e você fecha os olhos e volta a curtir                o CD do Lupicínio.
Por sua vez, o "porra nenhuma!" atendeu tão plenamente                as situações onde nosso ego exigia não só                a definição de uma negação, mas também                o justo escárnio contra descarados blefes, que hoje é                totalmente impossível imaginar que possamos viver sem ele                em nosso cotidiano profissional. Como comentar a bravata daquele                chefe idiota senão com um "é PhD porra nenhuma!",                ou "ele redigiu aquele relatório sozinho porra nenhuma!".                O "porranenhuma", como vocês podem ver, nos provê                sensações de incrível bem estar interior. É                como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia                pública de um canalha. São dessa mesma gênese                os clássicos "aspone", "chepone", "repone"                e, mais recentemente, o "prepone" - presidente de porra                nenhuma.
Há                outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade                de um "Puta-que-pariu!", ou seu correlato "Puta-que-o-pariu!",                falados assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba...Diante                de uma notícia irritante qualquer um "puta-que-o-pariu!"                dito assim te coloca outra vez em seu eixo. Seus neurônios                têm o devido tempo e clima para se reorganizar e sacar a atitude                que lhe permitirá dar um merecido troco ou o safar de maiores                dores de cabeça.
E o que dizer de nosso famoso "vai tomar no cu!"? E sua                maravilhosa e reforçadora derivação "vai                tomar no olho do seu cu!". Você já imaginou o                bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando,                passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu                interlocutor e solta: "Chega! Vai tomar no olho do seu cu!".                Pronto, você retomou as rédeas de sua vida, sua auto-estima.                Desabotoa a camisa e saia à rua, vento batendo na face, olhar                firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória                e renovado amor-íntimo nos lábios.
E                seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão                de maior poder de definição do Português Vulgar:                "Fodeu!". E sua derivação mais avassaladora                ainda: "Fodeu de vez!". Você conhece definição                mais exata, pungente e arrasadora para uma situação                que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora                complicação? Expressão, inclusive, que uma                vez proferida insere seu autor em todo um providencial contexto                interior de alerta e autodefesa. Algo assim como quando você                está dirigindo bêbado, sem documentos do carro e sem                carteira de habilitação e ouve uma sirene de polícia                atrás de você mandando você parar: O que você                fala? "Fodeu de vez!".
Sem                contar que o nível de stress de uma pessoa é inversamente                proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela                fala. Existe algo mais libertário do que o conceito do ''foda-se!"?                O "foda-se!" aumenta minha auto-estima, me torna uma pessoa                melhor. Reorganiza as coisas. Me liberta.". Não quer                sair comigo? Então foda-se!". "Vai querer decidir                essa merda sozinho(a) mesmo? Então foda-se!". 
O direito ao ''foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição Federal. Liberdade, igualdade, fraternidade e FODA-SE.


